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21 de dezembro de 2020Ponderações sobre as Notas Técnicas
O Ministério Público do Trabalho emitiu Nota Técnica GT COVID-19 Nº 20/2020 sobre medidas de vigilância epidemiológica nas relações de trabalho.
Resumidamente, entende o MPT as empresas devem afastar do local de trabalho os trabalhadores com casos confirmados e suspeitos de COVID, bem como seus contatantes, ainda que assintomáticos.
E que os médicos do trabalho, sendo constatado, por meio dos testes, a confirmação do diagnóstico de COVID-19, ou ainda que o teste consigne resultado “não detectável” para o novo coronavírus, mas haja suspeita em virtude de contato no ambiente do trabalho, mesmo sem sintomatologia, deverão solicitar à empresa a emissão da Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT) dos casos confirmados e suspeitos. E ainda indicar o afastamento do (a) trabalhador (a) do trabalho e orientar o empregador quanto à necessidade de adoção de medidas de controle no ambiente de trabalho, utilizando-se do instrumental clínico-epidemiológico para identificar a forma de contágio e proceder à adoção de medidas mais eficazes de prevenção.
A tese alegada pelo Ministério Público do Trabalho, parte da premissa de que a COVID, em sendo doença do trabalho, inclusive presumida, e o trabalhador sendo contaminado por ela, mesmo sendo assintomático, requer a emissão de CAT pelas empresas, para que se garanta ao trabalhador contaminado, seu afastamento e tratamento.
Entende a mesma nota técnica que a COVID está diretamente relacionada com o ambiente do trabalho e que, por este motivo, pode ser adquirida no exercício do trabalho, inclusive presumindo a mesma.
Em seguida, o Ministério da Economia emitiu a Nota Técnica SEI nº 56376/2020 sobre a COVID-19 e o nexo com o trabalho à luz da legislação Previdenciária.
Resumidamente, a referida nota técnica informa que a COVID-19, como doença comum, não se enquadra no conceito de doença profissional. Esta a regra. Após, avança a nota ao informar que a COVID pode ser considerada doença do trabalho em situações específicas, disposta no § 2º do mesmo artigo 20: Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.
Avança a referida nota ao ponderar que “as circunstâncias específicas de cada caso concreto poderão indicar se a forma como o trabalho foi exercido gerou risco relevante para o trabalhador. Além dos casos mais claros de profissionais da saúde que trabalham com pacientes contaminados, outras atividades podem gerar o enquadramento.”
E conclui que:
“À luz da legislação vigente, a COVID-19 deverá ter o mesmo tratamento das demais doenças ocupacionais, ou seja, deve ser observado o disposto nos arts. 19 a 23 da Lei nº 8.213, de 1991. Assim, a COVID-19 pode ou não ser considerada doença ocupacional, a depender das características do caso concreto e da análise realizada pela perícia médica federal ou pelos médicos responsáveis pelos serviços de saúde das empresas. A configuração do nexo exigirá o preenchimento dos requisitos previstos nos artigos 20 e 21 da Lei nº 8.213, de 1991. ”
Considerações
Em que pese os argumentos firmados na referida Nota Técnica do Ministério Público do Trabalho, não há como se sustentar de que a COVID manifestada em trabalhadores, ainda que no exercício do seu trabalho, foi adquirida neste ambiente, como quer fazer crer o Ministério Público do Trabalho.
Muito menos há como se presumir que determinado trabalhador, ao manifestar os sintomas da COVID, adquiriu a mesma no ambiente de trabalho.
Não há como se estabelecer o nexo causal por presunção, de que, pelo fato de o trabalhador estar exposto ao ambiente de trabalho tenha adquirido a doença decorrente desta exposição, ainda mais por suposição. Ou ainda, pelo simples fato de apresentar sintomas da COVID o empregador abrir uma CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), entendendo que a referida doença foi adquirida por conta do exercício do trabalho, até porque, como se sabe é a perícia médica do INSS quem tem a competência para dizer se o trabalhador adquiriu a doença ocupacional no exercício do seu trabalho.
A emissão da CAT seria a admissão de que a doença foi adquirida no ambiente de trabalho, o que pode trazer consequências jurídicas e previdenciárias severas para a empresa. Ademais, o empregado que for afastado pela Previdência Social por mais de 15 dias e que receber auxílio-doença, por exemplo, terá direito à estabilidade de um ano. O trabalhador ainda poderá pedir danos morais e materiais por ter adquirido doença decorrente do trabalho. Ainda, essa medida também poderia trazer impacto no pagamento de contribuições previdenciárias. Com aumento do número de acidentes de trabalho, as empresas correriam o risco de terem alíquota maior de Riscos Ambiental do Trabalho (RAT) – a nova denominação do Seguro Acidente do Trabalho (SAT). Empresas não são obrigadas a emitir CAT para COVID, até porque a doença não consta expressamente na lei. A COVID só pode ser presumida como doença ocupacional para trabalhadores de laboratórios ou hospitais, que podem estar em constante contato com o vírus.
O ordenamento jurídico brasileiro, que trata o tema, aduz a possibilidade de se caracterizar doença ocupacional, acidente do trabalho a manifestação da COVID, desde que a atividade laborativa exponha o trabalhador à maior risco, por conta de sua natureza, por exemplo, médicos, enfermeiros, catadores de lixo hospitalar. Para esses casos, tão somente para esses casos, pode se entender que a COVID tenha sido adquirida por estes profissionais, por conta do exercício do trabalho, visto que estão expostos diretamente ao vírus, por conta da natureza de sua atividade laboral. Assim preconiza todo o ordenamento jurídico a respeito do tema, Lei nº 8.231, artigos 19 a 23.
Entender que o nexo causal pode se consumar por presunção, para toda e qualquer atividade laborativa, imputando ao empregador o ônus jurídico-previdenciário da doença ocupacional é desconsiderar o fato de que a COVID pode ser adquirida fora do ambiente de trabalho, e se manifestar dentro deste, quando, por exemplo, o trabalhador se infecta no uso do transporte público, em encontros familiares, momentos de lazer etc., ou mesmo por não cumprir os protocolos de segurança de prevenção da doença. Haveria como deduzir de que este trabalhador se infectou necessariamente com a COVID no trabalho, por conta do exercício de sua atividade laborativa? Ainda que assim fosse, não poderia se admitir o nexo causal presumido, para esse caso, visto que a COVID se constitui em doença pandêmica.
Trata-se de uma disseminação em nível mundial que aumenta exponencialmente a possibilidade de adquiri-la independente do local em que se está ou convive.
COVID não é, de forma geral, uma doença que está relacionada com o risco do ambiente do trabalho a não ser em condições especiais estabelecidas em lei. É sim uma pandemia, um risco mundial, inclusive, de contaminação sistêmica, absolutamente distante do trabalho, como estamos presenciando nesse exato momento. A maior parte das pessoas que estão se infectando com a COVID não estão se infectando decorrente de uma exposição ao ambiente de trabalho. Um exemplo dessa assertiva é de que 76% das pessoas contaminas na Cidade de Nova York estavam em isolamento, em casa e não trabalhando.
Os números atuais de crescimento exponencial da COVID demonstram que a doença se espalha em todos os ambientes onde os seres humanos frequentam ou se aglomeram, potencializando sua disseminação.
Portanto, a demonstração cabal e objetiva do local em que se tenha dado o contágio é impossível em uma pandemia. Essa comprovação dependerá sempre de um juízo de presunções e probabilidades analisada cada situação concreta e aqui se insere o elemento culpa da empresa, que justificaria a responsabilização desta por eventual contaminação do trabalhador no exercício do trabalho.
Sendo direito fundamental dos empregados a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene, saúde e segurança (Constituição Federal, art.7º, XXII), o desatendimento pelo empregador da implementação de medidas de prevenção do contágio nesses ambientes de maior circulação de pessoas se fará presumir, em caso de contaminação do empregado, a doença ocupacional. Convém sempre ressalvar que cada situação apresenta peculiaridades que podem influenciar na confirmação ou superação da presunção inicialmente cogitada.
Conclusão
Não sendo a COVID, como regra, doença do trabalho, doença ocupacional, equiparada ao acidente do trabalho, não há, sequer como presunção, entender que os trabalhadores que apresentarem sintomas da COVID, ou mesmo os que efetivamente estarem contaminados pelo vírus, adquiriram essa doença necessariamente no ambiente de trabalho. A nota técnica do Ministério Público do Trabalho presume, inclusive, que o trabalhador tenha adquirido a COVID necessariamente por conta do exercício de seu trabalho, sugerindo, nesse caso a abertura de CAT pela empresa, o que, certamente é absolutamente descabido. Os riscos jurídicos trabalhistas e previdenciários nesse sentido seriam incomensuráveis, expondo a empresa a um passivo da mesma natureza.
A depender do número de CATs emitidas ou de denúncias de empregados ou grupo de empregados o Ministério Público do Trabalho pode ingressar com ação por danos morais coletivos, o que vulnerabilizaria ainda mais a empresa, já que estas ações são de elevada monta.
Como alegado aqui, não há como, presumindo, a empresa possa ser castigada a arcar com as estabilidades no emprego de trabalhadores que não podem sequer comprovar com segurança de que adquiriram a COVID no ambiente de trabalho, já que se trata de uma pandemia.
A emissão de CAT, nos termos sugeridos pela nota técnica do Ministério Público do Trabalho, pode gerar uma distorção de todos os dados estatísticos e epidemiológicos, com reflexos para as empresas, e no cálculo do RAT.
Por tudo exposto, entendemos que a nota técnica do Ministério Público do Trabalho deve ser vista com cautela, ratificando, por outro lado a Nota Técnica nº 56376/2020, do Ministério da Economia, que, acertadamente afasta, como regra a COVID do âmbito das doenças ocupacionais, e por conseguinte conferindo segurança jurídica quanto a identificação objetiva do nexo causal, requisito essencial para se considerar a COVID como acidente do trabalho. Nexo causal este determinado por rigoroso processo de perícia do agente da Previdência Social, sequer pelo médico do trabalho.
(FONTE: FECOMERCIOSP)
